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Wence: “Ninguém na Venezuela imaginou que teria que passar o Natal sozinho”

“Todos os anos a gente se reunia como uma família e fazia uma grande festa, com música, álcool e comida. Muita comida. Bastante comida. Eu me lembro de me sentar para jantar quatro vezes”, diz Wence Peraza com o mesmo entusiasmo de uma criança que fala sobre o que ganhou no Natal, ao recordar as suas memórias de infância da Venezuela.


As alegres festas e celebrações de fim de ano vivem agora apenas na nostálgica lembrança do povo venezuelano, à medida que o país cai mais profundamente na pior crise humanitária jamais vista na América Latina. E o Natal tornou-se uma recordação do que o país poderia ter sido, mas já não é.


Wence fugiu da Venezuela há mais de 10 anos. Ele vive atualmente na Austrália, mas a situação ainda afeta a sua paz de espírito. Para ele, apenas o simples ato de relembrar os bons momentos de casa é doloroso.


“É triste porque assim que se começa a pensar nas memórias felizes, você sabe que elas não vão voltar imediatamente”, diz ele com frustração.

Lembranças do Wence da Venezuela

O tempo em família é uma tradição natalina que se foi com a crise. Wence é o mais velho de três, mas nenhum dos seus irmãos vive mais na Venezuela.


De acordo com o último relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), oito milhões de venezuelanos terão deixado o país até ao final de 2020.


“As famílias estão agora separadas. É uma pena que os pais tenham de passar o Natal sem os seus filhos. Ninguém na Venezuela esperava que eles tivessem de passar as festividades sozinhos”, diz Wence.


“A família é a primeira coisa. Por isso [ é triste] quando eles têm de passar o Natal sozinhos. E você têm que passar com os amigos e criar o seu próprio tipo de família fora da Venezuela, porque você também tá praticamente sozinho”.


Mas não ter a família por perto não é a única luta que os venezuelanos têm de enfrentar. Para os que ficaram, reunir-se para celebrar também pode ser uma tarefa difícil do ponto de vista financeiro.


“Alguns dos meus parentes vão se encontrar com os meus pais no Natal e o meu pai está tentando planejar um orçamento para isso. Porque as coisas não estão assim tão boas e não é possível gastar dinheiro em coisas que não são necessárias. Por exemplo, ele tem um orçamento para a comida, mas não pode gastar dinheiro num bolo ou algo do gênero”.


Colocar comida na mesa já é um desafio para a maioria dos venezuelanos. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação deverá atingir os 10 milhões de por cento em 2019.


“Diria que muitas pessoas da minha família têm de sacrificar uma refeição do dia. Ou comem o café da manhã e almoço, ou almoço e jantar ou café da manhã e jantar, mas nunca todos”, diz ele numa mistura de tristeza e descrença sobre a situação atual da sua própria família.


“Para mim, dizer que a minha avó, as minhas tias, os meus primos fazem isso é tipo: ‘tá de brincadeira comigo?'”.


Apesar do cenário sombrio, ainda há espaço para a esperança – em ambos os lados do mundo. “O meu pai vai sempre a conferências sobre o futuro da Venezuela e como vai ser a situação. Ele ainda tem esperança de que as coisas vão mudar. Há 16 anos que ele diz isso”, diz Wence.


Para ele, a fé de que dias melhores virão também está presente. “Neste momento, o que a Venezuela significa para mim é o futuro. Porque sei que uma vez ultrapassado isto, vai ser um país tão bom. Vai levar uns bons 20 anos para isso, mas eu diria que será um país muito bom para os meus filhos”.


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