Suely: A tristeza que ficou em Córrego do Feijão
“A minha fisionomia até mudou, eu não sorrio mais como aqui”, me diz Suely ao me mostrar a capa de uma revista do SEBRAE de 2014 em que apareceu por conta de seu restaurante no Córrego do Feijão.

Hoje, o restaurante Casa Velha está alugado para a Vale e o forno a lenha e o cheirinho de comida caseira é uma só uma lembrança distante. O lugar agora só carrega a tristeza do que poderia ter sido e não foi.
Conheci Suely na Câmara Municipal de Brumadinho, com olhar triste, fisionomia cansada e caminhar pesado. As quatro paredes do ambiente administrativo não lembrava em nada a vida rural do Córrego do Feijão. Ela parecia quase que fora de contexto naquele lugar.
Não quis falar comigo na primeira vez que fui lá, sentia muita dor, física e emocional e me disse que não ia conseguir lembrar da tragédia sem chorar.
Voltei no dia seguinte. E lhe perguntei sobre suas paixões, na tentativa de amenizar a melancolia que a cercava. “Sempre fui uma apaixonada pela natureza, e isso eu herdei do meu pai. Tudo tava bom pra ele. Se tivesse na panela pra comer um arroz, um feijão, um angu, uma abóbora, tudo do quintal, para ele essa era a comida mais gostosa”, recorda com carinho.

Nascida e criada no Córrego do Feijão, Suely tinha o seu bairro como “um cantinho do céu”, onde cultivava o amor do pai pela natureza e planejava o sonho de ter a própria casa com uma horta para fazer quitanda na praça e na mercearia do irmão.
Depois de 25 de Janeiro, esse sonho foi arrastado junto com a lama da barragem que se rompeu. E o futuro virou incerteza. “Hoje eu não sinto aquele cheiro de comida na praça mais, nem aquela harmonia de antes…Então assim, o que o meu pai deixou pra eu terminar e que eu gostava de fazer, eu nao consegui e eu penso assim, será que eu vou poder viver lá?”.
São as indagações de Suely hoje, diante da dúvida das consequências deixadas pela tragédia, principalmente em relação à contaminação do solo.
“Essa incerteza definitivamente me envelheceu uns 5 anos de janeiro até agora, eu tenho certeza que envelheci. Porque estou com muito mais dores do que tinha antes, tristeza, muita tristeza. Conviver com isso é muito prejudicial para a minha saúde e com certeza diminuiu os meus anos de vida”, me afirma com a dor e desesperança de quem ficou marcada pela tragédia.
Para ela, não há nada que faça o rompimento da barragem ser esquecido e como muitos dos moradores do Córrego, Suely tem seguido com a ajuda de remédios.
“O maior trecho que a lama percorreu, eu vejo todos os dias pra vir trabalhar e pra voltar pra casa. Então assim, parece que nunca vai ter fim. Eu nunca tomei remédio e hoje eu tomo pra dormir, inclusive já quebrei dois dentes de tensão”, conta.
“Essa tristeza, na minha opinião, nunca sairá de Brumadinho, nunca mais. É uma coisa que nunca vai sair da minha memória. Eu não esperava morrer com isso”.
As imagens dos dias que seguiram o desastre ainda a acompanham, em um pesadelo do qual não é possível acordar. “Eu vi cenas piores que guerra. Helicópteros chegando com os corpos naquelas cestinhas, pingando de lama, a 15 metros dos meus olhos. E a gente pensando: quem será? Será o meu amigo tal? Será a mãe de fulano? São cenas que nunca vão se apagar”, ela narra com a vivacidade de quem agora é assombrado pelo caos da lama.
A dor do impacto é tanta, que em sua declaração tristeza é estado permanente e me diz com convicção: “Eu sou muito triste com tudo o que aconteceu”. E ainda não consegue conter as lágrimas ao me dar um último recado sobre o acontecido.
“O que eu gostaria de falar é que tudo isso deveria ter sido poupado, se não fosse a ganância por dinheiro. Não precisava ganhar-se tanto, pra tanta covardia, pra tanta maldade. Isso deveria ter sido poupado. Pra mim é só isso. A ganância por dinheiro causou isso tudo. Pra mim essa covardia não tem nada pago. É muito triste”, Suely conclui.
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