La Gran Sabana: sobre as coisas que uma crise não pode destruir
“Tú no puedes comprar las nubes, tú no puedes comprar los colores, tú no puedes comprar mi alegría, tú no puedes comprar mis dolores”, o refrão de Latinoamérica do grupo Calle 13 ecoa na minha cabeça enquanto observo o reflexo das nuvens num riozinho na Gran Sabana. Existem coisas que uma crise, um regime ou um plano desastroso de governo não pode destruir. Talvez tenha sido meu maior aprendizado durante a minha breve estada na Venezuela.
Como eu mencionei antes, essa viagem foi um pouco diferente. Improvisei. Mudei de planos várias vezes no caminho. E foi bom. A Gran Sabana provavelmente não é ponto comum que um jornalista buscaria para retratar a crise, mas eu sou grata de ter escolhido esse destino inusitado por acaso. Passei o dia ao mesmo tempo na mais perfeita calmaria e no olho do furação. E essa constante contradição me permitiu enxergar dimensões da situação do país que eu provavelmente não conseguiria em outro local.

Em meio à vegetação espaçada, alguns lagos que formam pequenos oásis e a grandiosidade dos “tepuis” – como o Monte Roraima– que se vêem ao longe, é quase possível esquecer do motivo que leva milhares de venezuelanos a fugirem do país todos os dias.
Quase. Se olhar com um pouco mais de cuidado e atenção, é possível perceber que o senso de normalidade é apenas aparente e que a crise política, econômica e humanitária, sim, está presente até nos lugares mais escondidos.

De onde eu estava – e que não pode ser revelado exatamente por questões de segurança – o silêncio era quebrado várias vezes ao dia. Cruzei com pessoas de toda parte do país, que ali viram refúgio e uma forma de sobreviver ao caos político e econômico atual sem ter que deixar a terra natal.
Pela proximidade com o Brasil, a falta de abastecimento, de fato, não parece problema. E a crise não se sente tanto. Através de uma espécie de mercado paralelo – que não é aprovado pelo governo mas que também não é barrado pela fiscalização – lá chega todo tipo de produto brasileiro, desde a comida e a gasolina até o cigarro e o álcool.
Ainda assim, nos vilarejos, há quem caminhe por quase duas horas para alcançar um ponto de venda de produtos brasileiros. Dentre as conversas, ouvi muitos comentários como “não vou trabalhar de moto porque não tenho como gastar tanto com gasolina” ou “não dá muito pra comprar legumes, porque a gente não tem como mantê-los sem geladeira em casa”.
Não dá pra negar que há algo de melancólico no cenário. E seria irresponsabilidade romantizar o sofrimento e as dificuldades cotidianas da crise. Mas queria ressaltar aqui a força de quem segue em frente, sempre.
Porque, ao mesmo tempo, ouvi muito “eu não deixo esse lugar nem com a pior situação que possa ter” e “eu não conseguiria ser feliz em outro lugar”.
Há algo de bonito em como a vida segue e em como cada pequena coisa se torna felicidade. Vi celebração diante de uma salada com vagem e um pote de azeitonas, por exemplo. “Nossa, fazia 5 anos que eu não via uma vagem! E que eu não comia uma azeitona, meu Deus!”, me disse uma mulher com os olhos brilhantes diante do “luxo” de poder comer algo diferente do habitual.
Viajei até as praias próximas de Caracas sem sair do lugar durante uma conversa-lembrança bem humorada sobre tempos em que a única preocupação era decidir entre entrar no mar ou não. Ouvi muitas risadas, vi muitos sorrisos. É díficil explicar essa alegria. Mas sei que ela é também forma de resistência e merece espaço nesse blog.
“No puedes comprar mi vida,” terminam os versos do Calle 13 em Latinoamérica.