Gabriel Villalba: a certeza de Golpe de Estado na Bolívia
“O que o mundo precisa saber, é que na Bolívia não vivemos em democracia,” é o que me disse Gabriel Villalba enquanto conversamos em um café num terraço no centro de La Paz. Dali de cima, havia uma tranquilidade que nada se parecia com as ruas que tínhamos acabado de cruzar para chegar àquele destino.

Advogado e analista político, Gabriel é claro sobre a situação do país. Não tem dúvidas de que a Bolívia sofreu um golpe de Estado em outubro de 2019 e narra com firmeza os fatos que levaram a tanto. “A oposição já tinha claro o momento em que ia atuar. Então criaram todo um sentido comum de que as eleições seriam fraudulentas e não aceitaram a vitória do Evo Morales,” contou.
“O governo do Evo pediu inocentemente a OEA (Organização dos Estados Americanos) para fazer um informe técnico sobre a ocorrência de fraude e creio que isso foi um erro político,” continuou.
O informe preliminar emitido pela OEA anunciou fraude nas eleições. Porém só analisou 0,22 por cento dos registros de voto na Bolívia, segundo Gabriel. “Já existia um clima de violência sistemática porque tribunais eleitorais locais tinham sido queimados, estavam amedrontando líderes sociais do Movimento ao Socialismo (MAS) e entramos em estado de convulsão social. Caótico, não?” completou.
Com pesar, ele recontou como foram os dias de tensão que seguiram esse momento, quando Evo Morales teve que renunciar e Jeanine Añez assumiu a presidência do país. Mencionou a repressão aos protestos sociais e a queima da bandeira Whipala – que representa os povos indígenas da América Latina e é adotada como segunda bandeira oficial do Estado Plurinacional da Bolívia – como símbolos de violência do novo governo.

“Foi muito triste, porque você se dava conta da diferença de classes sociais. Nas marchas que pediram, por 21 dias, para derrubar o governo do Evo Morales e tinham uma condição de classe alta, onde estavam os filhos do próprio alto mando policial, não houve repressão. Mas nas outras marchas, dos setores populares, não tiveram dúvidas em nos reprimir e isso foi o que mais me causou pena,” declarou Villalba.
E também comentou sobre a perseguição política sofrida por ele e outros companheiros ativistas políticos. “Eu mesmo, fora da minha casa, tinham policiais e militares à paisana rondando em carros. Assim opera a inteligência da polícia, dos militares como uma forma de amedrontar. Eu tive que sair da minha casa e durante uma semana fiquei me mudando de casa em casa de amigos porque não podia estar no mesmo lugar. Era perigoso demais. Nossa integridade física corria perigo”.
Mas também consegue enxergar algo de positivo nisso. “Eu também me alegro que isso tenha acontecido. Sabe porque? Porque todos diziam que com Evo nós vivíamos em ditadura, quando era um governo democrático. E agora se deram conta do que é um governo de ditadura, com militares nas ruas e armamento de guerra disparando contra civis. Esse é o verdadeiro golpe de Estado, não? E creio que os jovens que finalmente reconheceram isso vão ser o voto oculto que determinará um âmbito de apoio,” falou Gabriel, referindo-se as eleições que estavam previstas para o 03 de maio na época – e indicavam resultados favoráveis ao MAS de acordo com pesquisas de opinião.
Agora, em comentário mais recente ao que se passa no país, que adiou as eleições por tempo indeterminado pela pandemia do Coronavírus, Villalba vê a democracia boliviana mais frágil no momento. “Mais que suspender ou postergar as eleições, eles [o governo de Áñez] têm esse medo dessa tendência de 40 por cento dos votos ao Movimento Ao Socialismo, demonstrado nas últimas pesquisas. Então Jeanine Áñez está tomando medidas, aproveitando-se do Coronavírus, para reverter essa intenção de voto,” contou em entrevista a rede Telesur em Março.
Ainda assim, crê que o MAS pode se reerguer pós-pandemia. “Pediram para postergar as eleições sem consultar o MAS e creio que isso vai cair contra eles. Eles estão tomando medidas autoritárias e a população está tomando consciência social de repúdio ao governo de facto de Áñez e isso tem consequências nas urnas, como é possível ver nas pesquisas de intenção de voto,” concluiu.