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Daniella Reina: “Quando você decide migrar definitivamente, você tem que fechar todas as suas portas

“Eu quero ir embora da Austrália. Eu acho que antes de tudo isso acontecer, eu via a Austrália como um país de oportunidades e via como ‘sim, eu posso ficar’. Meu namorado é americano e a gente sempre teve essa discussão se a gente ia ficar aqui ou ir pros Estados Unidos quando eu me graduasse. Mas agora eu tenho a ideia de que eu quero ir, não quero ficar aqui porque sinto que não há futuro na parte econômica. Eu quero terminar o que eu comecei aqui e ir embora,” desabafa a venezuelana, Daniella Reina, segurando as lágrimas. 


Estudante de engenharia, Daniella mudou-se para a Austrália há quase dois anos para poder terminar a universidade depois de enfrentar problemas para completar o curso na Venezuela, devido à crise humanitária do país. Porém, em meio à pandemia, ela agora questiona se o investimento está valendo a pena. Com as aulas online em um curso que exige prática, ela sente que não está aprendendo o necessário.


“Como eu não estou na minha casa, eu não tenho as ferramentas necessárias para estudar aqui. Eu preciso de programas especiais para engenharia e o meu computador fica louco com o programa. E também, parte das ferramentas que você aprende é pelos laboratórios porque você vê o processo. Na engenharia, muitos processos são abstratos e a única maneira de ver é o físico. E agora os laboratórios não são nada, então acho que pelo menos a gente deveria ter essa opção de poder assistir os laboratórios no próximo semestre,” explica, tentando buscar uma solução para o problema.


Para ela, manter o foco nos estudos estando dentro de casa é outro obstáculo. “Demorou muito para eu conseguir ver a minha casa como local de estudo ou trabalho. Sabe aquelas pessoas que dizem que conseguem estudar em casa? Eu não sou uma delas. Eu preciso terminar os trabalhos na faculdade e não posso mais fazer isso. É frustrante, eu demoro muito mais para fazer as coisas. Me sinto lenta, desfocada, como vendo passarinhos no céu,” conta com a tristeza de quem perdeu o lar como lugar de descanso.  

Foto cedida por Daniella Reina

E ainda acrescenta sobre o desafio adicional de ter que lidar com o segundo idioma nas aulas não-presenciais. “Como estudante internacional, obviamente, inglês é a sua segunda língua e para se comunicar é muito mais fácil ao vivo porque você pode explicar o que você quer. Quando você está atrás de uma câmera ou um email, as vezes dizer o que você quer é muito mais difícil,” desabafa.


“Então eu não to recebendo a educação que recebia antes e não estou aprendendo como antes. No final, isso é um negócio e eu não estou recebendo pelo o que estou pagando,” fala com a frustração de quem atravessou um oceano para estar onde está e não sente que está conseguindo aproveitar a oportunidade em total.


Daniella também comenta sobre a situação de ser imigrante em esse momento. “Acho que é muito mais difícil, porque você não recebe nenhuma ajuda do governo. E no final, você ta sozinho. Você tem que se virar e lutar para manter o que tem e não existe uma opção B de ficar na casa de um familiar ou um amigo. Porque as vezes para um imigrante é muito difícil ter esse amigo que você pode falar ‘ai, posso ficar na sua casa?’ ou algo assim.”


Já em relação a família, ela se sente mais tranquila. Para ela, o fato de ser migrante a ajuda a lidar com esse momento. “Bom, continua a mesma coisa, não? Eu já vejo eles de longe há tanto tempo que não faz muita diferença. Eu me separei da minha irmã gêmea quando tinha 18 anos, agora tenho 25. Já é um costume, não me afeta em esse aspecto,” explica com a experiência de quem já sabe viver situações de crise há muitos anos.


“Se eu tivesse na Venezuela, eu iria todos os domingos para a casa da minha avó. Então sim, me impactaria, mas agora eu não visito a minha avó então ok. Não há nada de diferente nos meus domingos,” acrescenta.


Hoje, com todos os seus familiares vivendo na Europa, a Venezuela é algo que ficou para trás. “Eu não tenho nada de contato com a Venezuela agora. Creio que quando você decide migrar definitivamente, você tem que realmente, para se sentir melhor consigo mesmo, fechar todas as suas portas. Porque essas lembranças de ‘ah, se eu tivesse na Venezuela, eu estaria fazendo isso’, esse pensar muito no passado, não te deixa seguir adiante do meu ponto de vista,” diz Daniella.


Quando a pergunto sobre o que a faz sentir-se em casa agora, ela me fala do futuro marido. “Acho que é meu namorado agora, nós estamos juntos e vamos nos casar…acho que ele faz com que eu me sinta em casa,” conclui com os olhos sorrindo.


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