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Alba e a resistência Venezuelana no Brasil

“Quando eu saí de lá [da Venezuela], eu falei ‘eu vou ser resistência no Brasil’. Porque eu vou ter uma voz e eu vou dizer pro mundo quem a gente é”. Idealizadora do primeiro Centro de Acolhida de Boa Vista, Alba Marina com certeza resiste em terras Brasileiras – e ainda oferece suporte aos seus compatriotas para que eles possam ter uma transição menos sofrida ao chegar em outro país.

Trabalhando em parceria com a ONG Fraternidade sem Fronteiras, Alba conseguiu colocar em prática o sonho de criar um espaço de moradia em que o estigma de refugiado fosse desconstruído. Em funcionamento desde dezembro de 2017, o Centro de Acolhida está em constante transformação por aqueles que o habitam. “Esse lugar aqui não tem um padrão, um modelo, tipo ‘é assim que a gente tinha planejado’. É muito do que o nosso coração, o que a nossa lógica e o nosso senso comum acha. Depende do que a gente quer melhorar e o que a gente pode fazer com as ferramentas que a gente têm nas mãos”, conta.

É isso que torna o Centro distinto de abrigos da região, que ficam sob administração das Nações Unidas e do Exército Brasileiro, por exemplo. Lá, cada pessoa é responsável por algum tipo de atividade para manter a estrutura funcionando, desde a cozinha ao entretenimento para as crianças. “A gente não compete com ninguém, porque nós não fazemos o mesmo trabalho”, ressalta Alba. “É o meu sonho que nós sejamos referência no mundo. Mas referência de seres humanos, que, como imigrantes, numa situação de refúgio, de crise, são protagonistas da sua vida e capazes de criar. Eles só precisam ser enxergados, que as pessoas acreditem que eles podem”, completa com o brilho nos olhos de quem realmente acredita na mudança.

Mas ainda vai além disso. O Centro de Acolhida é tão particular porque por trás do sonho e idealização de Alba tem a história de uma pessoa, que, assim como todos ali, foi forçada a ser migrante. Existe uma pessoa cuja a resistência é também encontrar uma casa longe de casa. “Eu até disse uma vez, que o imigrante era um órfão de lá. Que procurava nos olhares dos outros, os olhares perdidos; que procurava nos abraços que recebia no Brasil, o abraço dos amigos, o amor do vizinho; o café daqui ele tenta sentir o sabor do café de lá. Todo o nosso processo é um processo de ‘cadê o que eu deixei para trás?’ e ‘o que eu vivi atrás, eu quero de novo’. É um duelo constante, porque você não queria partir”, narra com a dor que só quem já teve que sair da sua terra pode sentir.

Alba carrega nas suas palavras a sabedoria de quem entende o quanto é importante acolher e olhar para o outro com empatia justamente por ter se visto diante do despreparo que é deixar tudo o que ama para trás. “Eu nunca pensei na vida que eu fosse sair da Venezuela. Agora a gente ta sendo forçado a ser imigrante sem preparo nenhum. E os outros países estão sendo forçados a receber imigrantes sem preparo nenhum. Porque quando eu tava no meu país e via a imigração na Europa eu pensava ‘ah, lá na Europa’. Você não sabe que você pode ser uma delas?”, declara.

Ela reflete em como esse processo poderia ser menos doloroso se a tolerância fosse cultivada antes do nacionalismo. “Você é educado pra ser nacionalista. Você é educado pra achar que o que é seu é o melhor. Isso é ruim. Você tem que ser educado pra ser cidadão do mundo. Pra enxergar todos como seres humanos, pra ser tolerante, pra amar os outros, amar a mistura.Você sabe, o Latino Americano é uma mistura total. Como vamos esquecer essa realidade? Porque a gente não é lembrado disso desde o começo? Seria muito mais fácil. A gente conseguiria se aceitar. Você conseguiria me olhar e ver ‘você é igual a mim’”.

Com pesar, Alba ainda menciona a dor maior que é a perda de identidade do próprio país. “Me perguntaram uma vez ‘você quer voltar?’ Eu disse ‘cara, eu quero voltar. Mas eu posso voltar?’ Primeiro porque eu não tenho pra onde voltar, o país aonde eu cresci, nao é um país. A estrutura ta lá, mas os meus vizinhos, meus amigos, minha cultura, minha sociedade, a que me educou, existe? Ela foi destruída”, conta. “Eu vejo eles morrendo de fome. E não só de fome. Sabe qual é a morte mais feia? A de tristeza. São pessoas morrendo de tristeza. Nós éramos conhecidos como o povo mais feliz. A gente ri, ainda, das nossas desgraças. Assim que a gente é, mas o que eu vejo hoje é desolação. São pessoas caminhando de ombros caídos, cabeça baixa, olhos tristes…cansados. O que fizeram com o meu país? Eu não sei”, fala com os olhos cansados de quem sente pelo seu povo.

Mesmo assim, Alba vê a solução: “criar coisas”, assim como ela fez com o Centro de Acolhida em Boa Vista. “A gente tem que mostrar pro mundo o que a gente é. Ser Venezuela, não Venezuelano, fora da Venezuela. Em qualquer lugar do mundo. Pra que, quando chegue o dia, gente possa voltar e construir o nosso país. Um país melhor. Não quer dizer que é o melhor país, mas o que a gente achava que o nosso país era, sabe? É isso que eu tenho pra te dizer”, conclui com a força de quem sempre vai ser resistência.

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