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100 mil mortes por Covid: os corpos que pulamos no caminho e o nosso futuro que é passado

Cem Mil. 100.000. C E M M I L.


A notícia me chega as 2 da manhã no meio de uma insônia repentina. Me atravessa o peito que já previa a desgraça. E mesmo assim me dói como facada apunhalada pelas costas.


Quando foi que o horror tornou-se rotina? Será que foi naquele momento da votação do impeachment em 2016 em que um deputado declarou seu voto em nome do torturador Carlos Alberto Brilhante Ulstra, “o terror de Dilma Rousseff” e saiu completamente impune dessa? Ou foi dois anos mais tarde quando esse mesmo homem foi eleito presidente do Brasil?


Será que o horror se instalou no dia em que balas estouraram na cabeça de uma vereadora eleita porque a sua existência na política como mulher negra, de favela, LGBT, incomodava demais? E se perpetuou na falta de resposta que ainda nos resta sobre quem mandou matar Marielle Franco?


Ou talvez ainda a bárbarie do nosso país tenha começado no momento em que chegou a primeira esquadra portuguesa, que o sangue do primeiro indígena foi derramado e que foi decidido que o nome da nossa terra seria “Brasil”?


Ou será que o mais profundo absurdo se institucionalizou de vez quando desembarcou o primeiro navio negreiro em Salvador? Fazendo com que pelos próximos 400 anos a violação dos corpos negros tenha sido norma? E ainda permitindo que em 2020 entregadores chamados Matheus tenham que ouvir “você tem inveja disso aqui” de um branco que se acha senhor de engenho?


Talvez para um país fundado em genocídio e massacre – e que insiste em negar sua história de genocídio e massacre – a valorização da vida fique mesmo sempre pra segundo plano. E de nada surpreenda essa marca horrorosa dos 100 mil mortos por Covid – que poderia ter sido evitada com uma política pública responsável de isolamento social. Mas se tem uma coisa que a nossa “mãe gentil” sabe fazer bem é matar os nossos desde que somos nação.


Mas não dá pra ser assim.


Não dá mais.


Enquanto for assim, a gente continua em retrocedendo e desamparado. Nosso “progresso” anda ao contrário porque insistimos em pular os corpos que a história deixou em nosso caminho ao invés de dar-lhes o devido respeito e viver seu devido luto.


Cem mil dói porque logo serão 200 mil. 500 mil. 1 Milhão. Quem sabe? E não, não dá para “tocar a vida”. Porque cada morte que a gente não chora é um passo que a gente dá para o nosso futuro ter mais cara de passado. Cada vida que a gente insiste em silenciar – especialmente as de pretos, indígenas, mulheres e LGBTQI+ – é se colocar na ponta do abismo.


Não, eu não vou “tocar a vida”. Eu sigo enlutada e me recuso a esquecer as nossas tragédias. Que é pra poder sonhar com um país onde a vida valha mais fora do caixão.


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